Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano ISSN 1980-0037
Rev. Bras.Cineantropom. Desempenho Hum. 2007;9(1):55-60
ATIVIDADE FÍSICA EM ADOLESCENTES BRASILEIROS: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA
PHYSICAL ACTIVITY IN BRAZILIAN ADOLESCENTS: A SYSTEMATIC
REVIEW
RESUMO
O estudo teve como objetivo revisar a literatura sobre estudos na área de atividade física e comportamentos
sedentários em adolescentes brasileiros. Revisão sistemática da literatura. A busca foi realizada em bases de dados
eletrônicas e lista de referência dos artigos identifi cados. Os seguintes descritores, nas línguas portuguesa e inglesa,
foram utilizados: “exercício”, “esforço físico”, “aptidão física”, “esportes”, “atividade motora”, “atividade física”, “metabolismo
energético”, “conduta de saúde”, “estilo de vida”, “fatores de risco”, “adolescente”, “adolescência”, “juventude” e “estudantes”.
A busca eletrônica inicial resultou em 653 manuscritos. O processo de análise dos estudos envolveu leitura de títulos,
resumos e textos completos. Após todas essas fases, 15 manuscritos preencheram os critérios de inclusão da revisão. Nas
referências destes artigos, foram identifi cadas outras seis publicações relevantes, totalizando 21 artigos. Em relação ao
delineamento, apenas dois estudos utilizaram o desenho de casos e controles, sendo todos os demais transversais. Doze
estudos foram classifi cados como tendo dimensionamento amostral adequado e apresentaram descrição do procedimento
utilizado. Somente um estudo trazia informações sobre testagem prévia do instrumento e validade das medidas. Seis
estudos incluíram simultaneamente medidas de atividade física e comportamentos sedentários. Há uma grande variabilidade
metodológica entre os estudos nacionais sobre atividade física e comportamentos sedentários em adolescentes. No entanto,
existe uma homogeneidade no delineamento, sendo necessários estudos longitudinais na área.
Palavras-chave: Atividade motora; Exercício; Atividades de lazer; Adolescente, Brasil.
INTRODUÇÃO
Os benefícios da prática de atividade física para
a saúde e qualidade de vida de pessoas de todas
as idades estão bem documentados na literatura
científica1-3. Durante a adolescência, especificamente,
há evidências de que a atividade física traz benefícios
associados à saúde esquelética (conteúdo mineral e
densidade óssea) e ao controle da pressão sangüínea e
da obesidade4. Além dos benefícios diretos, estudos que
analisaram o tracking da atividade física evidenciaram
que a exposição à inatividade física, quando iniciada na
infância ou adolescência, torna-se mais estável na vida
adulta e, portanto, mais difícil de modificar5-7.
Apesar do reconhecimento da importância da
atividade física como fator de promoção da saúde e
de prevenção de doenças, a prevalência de exposição
a baixos níveis de atividade física é elevada e parece
afetar pessoas de todas as idades. No Brasil, de acordo
com a região onde o levantamento foi realizado, o
instrumento utilizado e o contexto no qual as medidas
foram obtidas, os dados disponíveis sugerem que 29%
a 97% dos adultos parecem estar expostos a baixos
níveis de atividade física8-12.
Em adolescentes, estudos representativos e de
base populacional são escassos e os resultados não são
convergentes, dependendo novamente do instrumento
utilizado, faixa etária incluída e pontos de corte.
Oehlschlaeger e colaboradores13, em estudo realizado
com adolescentes da área urbana da cidade de Pelotas,
observaram que 39% dos indivíduos entrevistados eram
sedentários. No estudo de Silva et al.14, 93,5% dos
estudantes da cidade de Maceió foram classificados
como sedentários. Em adolescentes de 11 anos de
idade, pertencentes à Coorte de Nascimentos de 1993,
da Cidade de Pelotas, RS, Hallal et al.15 encontraram um
percentual de sedentarismo de 58%.
Até o presente, nenhuma revisão sistemática foi
conduzida com a finalidade de analisar os estudos com
medidas da atividade física e comportamentos sedentários
em amostras de adolescentes brasileiros. Com o intuito
de preencher esta lacuna do conhecimento, o objetivo
deste estudo foi analisar as pesquisas com humanos,
contendo medidas da atividade física e comportamentos
sedentários em adolescentes brasileiros.
METODOLOGIA
A busca foi realizada em bases de dados
eletrônicas (MEDLINE, LILACS e ADOLEC) e lista de
referências dos artigos identificados. As referências
que preencheram os critérios de inclusão foram
avaliadas, independentemente do periódico. A seleção
dos descritores utilizados no processo de revisão foi
efetuada mediante consulta ao DECs (descritores
de assunto em ciências da saúde da BIREME). Nas
buscas, os seguintes descritores, em língua portuguesa
e inglesa, foram considerados: “exercício”, “esforço
físico”, “aptidão física”, “esportes”, “atividade motora”,
“atividade física”, “metabolismo energético”, “conduta de
saúde”, “estilo de vida”, “fatores de risco”, “adolescente”,
“adolescência”, “juventude” e “estudantes”. Além
destes, os termos “Brasil”, “brasileiro” e “brasileira”
foram utilizados para localização de manuscritos,
contendo resultados de pesquisas com amostras
nacionais. Recorreu-se aos operadores lógicos “AND”,
“OR” e “AND NOT” para combinação dos descritores e
termos utilizados para rastreamento das publicações.
A t r avé s d e s t e p r o c e d i m e n t o d e b u s c a ,
foram identificadas, inicialmente, 653 publicações
potencialmente elegíveis para inclusão nesta revisão.
Em seguida, identificaram-se os artigos que atenderam
aos seguintes critérios de inclusão: (a) amostra deveria
incluir adolescentes mesmo que abrangendo outras
faixas de idade; (b) utilização de uma medida de atividade
física; (c) coleta de dados realizada no Brasil; (d) artigo
original de pesquisa com seres humanos – artigos de
revisão não foram incluídos; (e) publicação até agosto
de 2005. Optou-se por não incluir teses, dissertações
e monografias, visto que a realização de uma busca
sistemática das mesmas é inviável logisticamente.
Após a primeira análise, com avaliação dos
títulos, 609 artigos (MEDLINE=480; ADOLEC=99;
e, LILACS=30) foram considerados elegíveis para a
segunda fase desta revisão, que consistiu da leitura
dos resumos. Após avaliação dos resumos, os estudos
que pareciam preencher os critérios de inclusão foram
lidos na íntegra. Nesta etapa, a revisão foi efetuada
independentemente por três pesquisadores. Ao final, 15
artigos atenderam a todos os critérios de inclusão. Foram
incluídos, ainda, outros seis artigos, publicados em
periódicos não indexados, mas que haviam sido citados
na lista de referências dos 15 manuscritos, inicialmente
incluídos no estudo, totalizando 21 artigos.
Na avaliação dos artigos, foram observados os
seguintes aspectos:
● amostra (dimensionamento adequado,
envolvendo seleção aleatória de participantes e
representatividade)
● instrumentos (informações sobre validade e
testagem prévia)
● medidas de exposição a comportamentos
sedentários e atividades físicas
● definição operacional da exposição à inatividade
física
● aspectos éticos (menção a aprovação no comitê
de ética, anonimato e termo de consentimento livre e
esclarecido)
● periódico no qual o artigo foi publicado
(classificados conforme o critério Qualis proposto pela
CAPES).
RESULTADOS
Na tabela 1, são apresentadas informações
gerais sobre os 21 estudos incluídos. Destes, 15
foram publicados no período de 2000 a 2005.
Treze manuscritos foram publicados em periódicos
classificados como Qualis Nacional “A” ou superior.
Apenas dois estudos utilizaram delineamento de casos
e controles16,17; todos os demais foram transversais13,14,
18-34. A composição das amostras variou quanto à faixa
57Atividade física em adolescentes brasileiros: uma revisão sistemática
etária, sendo que dois artigos incluíram crianças e
outros dois incluíram também adultos.
Apenas dois estudos incluíram adolescentes da
região nordeste. Um dos estudos foi realizado com
crianças e adolescentes da cidade de Maceió e outro
foi baseado nos dados da Pesquisa de Padrão de
Vida do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
realizada em 1997.
Características dos manuscritos incluídos no
estudo, segundo critérios de avaliação previamente
estabelecidos, estão apresentadas na tabela 2. Em
12 manuscritos, os procedimentos metodológicos
adotados no dimensionamento e seleção da amostra
estão suficientemente detalhados e nove manuscritos
descrevem resultados de estudos no qual não
há representatividade da amostra em relação à
população alvo.
Quanto aos instrumentos utilizados para coletas
de dados, verificou-se que apenas seis se referiram
a sua validação e nove realizaram a testagem prévia
dos mesmos. Destes, apenas um fez alusão aos dois
critérios no mesmo manuscrito. Em relação à definição
operacional das variáveis (Tabela 2), apenas sete
consideraram comportamentos sedentários como
dimensão da atividade física.
Apenas dois estudos mencionaram todas
as questões de natureza ética, de acordo com as
recomendações apresentadas na resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde (1-Aprovação em
Comitê de Ética em Pesquisa; 2- Anonimato; 3- Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido) e cinco fizeram
menção a, pelo menos, um aspecto ético. Vale salientar
que foi avaliado apenas se o artigo fazia menção aos
aspectos, podendo os mesmos terem sido atendidos
independente da menção no corpo do artigo.
Na tabela 3, estão apresentados os métodos
de mensuração e as def inições das variáveis
utilizadas nos estudos. Apenas um artigo utilizou dois
instrumentos (questionário e sensor de movimento).
Os demais utilizaram apenas um método, sendo que
17 manuscritos utilizaram questionários e os dois
restantes usaram monitor de freqüência cardíaca e
taxa metabólica basal.
DISCUSSÃO
Com a transição epidemiológica, que gerou um
decréscimo das doenças infecciosas e um aumento
das doenças crônicas, a atividade física tem ganhado
destaque nas investigações na área de saúde pública.
Entretanto, existe discussão a respeito das medidas da
atividade física em diferentes grupos populacionais.
Esta revisão teve como objetivo fazer um levantamento
e descrever estudos com medidas da atividade física,
Tabela 1. Artigos incluídos na revisão.
Primeiro autor Ano Periódico Faixa
etária N Local
Silva, MAM 2005 Arquivo Brasileiro de Cardiologia 7 – 17 547 Maceio (AL)
Vilela, JEM 2004 Jornal de Pediatria 7 – 19 1.807 6 municípios (MG)
Pires, EAG 2004 Revista Brasileira de Ciência e Movimento 15 – 19 754 Florianópolis (SC)
Monteiro, P 2004 Revista Panamericana de Saúde Pública 15 1.076 Pelotas (RS)
Oeshlschlaeger, MHK 2004 Revista de Saúde Pública 15 – 18 960 Pelotas (RS)
Farias Júnior, JC 2004 Revista Brasileira de Ciência e Movimento 15 – 18 1.107 Florianópolis (SC)
Magalhães, VC 2003 Cadernos de Saúde Pública 15 – 20 1.881 Nordeste e Sudeste
do Brasil
Neutzling, MB 2003 Public Health Nutrition 15 – 20 1.608 Pelotas (RS)
Vieira, VCR 2002 Revista de Nutrição de Campinas 18 – 19 185 Campinas (SP)
Matsudo, SMM 2002 Revista Brasileira de Ciência e Movimento 15 – 18 281 São Paulo (SP)
Glaner, MF 2002 Revista Paulista de Educação Física 17 – 20 231 Saudades e Concór-dia (SC)
Gomes, VB 2001 Cadernos de Saúde Pública 12 – 20 487 Rio de Janeiro (RJ)
Guedes, DP 2001 Revista Brasileira de Medicina do Esporte 15 - 18 281 Londrina (PR)
Silva, RCR 2000 Cadernos de Saúde Pública 14 – 15 325 Niterói (RJ)
Braggion, GF 2000 Revista Brasileira de Ciência e Movimento 14 – 17 28 ?
Pinho, RA 1999 Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde 14 – 15 28 Tijucas (SC)
Fonseca, VM 1998 Revista de Saúde Pública 15 – 17 391 Niteroi (RJ)
Gambardella, AMD 1998 Revista de Saúde Pública 11 – 18 273 Santo André (SP)
Matsudo, SMM 1998 Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde 10 – 15 47 São Caetano do Sul e
Ilhabela (SP)
Duncan, BB 1993 Revista de Saúde Pública 15 – 64 1.240 Porto Alegre (RS)
Rego, RA 1990 Revista de Saúde Pública 15 – 59 1.479 São Paulo (SP)
(?) Informações insuficientes
58 Tassitano et al.
Rev. Bras.Cineantropom. Desempenho Hum. 2007;9(1):55-60
realizados em amostras de adolescentes brasileiros. A
partir destes dados será possível identificar as lacunas
de conhecimento que precisam ser preenchidas nesta
área de investigação, servindo a revisão como base
para estudos futuros.
A lém de esc assos, existem divergências
metodológicas – delineamento, instrumentos, definição
do ponto de corte para a exposição a baixos níveis de
atividade física - que comprometem a comparação dos
estudos. Também não se pode fazer uma extrapolação
dos resultados para o Brasil, visto que nenhum
levantamento foi realizado com uma abrangência
nacional ou estadual representativa. Apenas um estudo
focalizou simultaneamente duas regiões do Brasil.
Tabela 2. Características dos estudos segundo aspectos metodológicos.
Característica metodológica N (%)
AMOSTRA
Estudos com a população-alvo inteira ou com amostra representativa 12 (57,1%)
Amostragem aleatória 11 (52,4%)
INSTRUMENTO
Informações sobre testagem prévia do instrumento 9 (42,9%)
Informações sobre validade do instrumento 6 (28,6%)
MEDIDAS
Definição operacional das variáveis incluídas 13 (61,9%)
Mensuração de atividade física 21 (100,0%)
Mensuração de comportamentos sedentários 7 (33,3%)
ASPECTOS ÉTICOS
Informações completas sobre aspectos éticos* 3 (14,3%)
* Menção de aprovação em comitê de ética, anonimato e termo de consentimento livre e esclarecido
Tabela 3. Análises dos artigos segundo os instrumentos, definição operacional das variáveis e nível de
exposição.
Referência Instrumento Definição operacional da variável
Silva MAM Questionário Muito sedentário, sedentário, moderadamente ativo, ativo e
muito ativo.
Vilela JEM Questionário
Pires EAG Questionário Leve, moderado, intenso e muito intenso.
Monteiro P Questionário Moderado, intenso.
Oeshlschlaeger MHK Questionário Sedentário
Farias Júnior JC Questionário Inativo, muito ativo
Magalhães VC Questionário
Neutziling MB Questionário
Vieira VCR Questionário
Matsudo, VM Questionário Inatividade física, baixa intensidade e alta intensidade.
Glaner MF Questionário Inativo, moderadamente ativo, ativo e muito ativo.
Gomes VB Questionário Sem ocupação, leve, moderada e pesada.
Guedes DP Questionário Muito inativo, inativo, moderadamente ativo e ativo
Silva RCR Questionário Muito sedentário, sedentário, moderadamente ativo, ativo e
muito ativo.
Braggion GF Questionário Pré-contemplativo, contemplativo e ação.
Pinho RA Questionário e sensor de movimento Leve a moderada, moderada a vigorosa e intensa.
Fonseca VM Questionário Leve, moderada e intensa.
Gambardella AMD Dispêndio energético Leve, moderada e intensa.
Matsudo SMM Monitor de frequência cardíaca Baixa intensidade, intensidade, moderada e alta intensidade.
Duncan BB Questionário Sedentarismo
Rego RA Questionário Sedentário
59Atividade física em adolescentes brasileiros: uma revisão sistemática
De acordo com os resultados, a prevalência de
adolescentes expostos a baixos níveis de atividade
física variou de 39%13 a 93,5%14. A maioria das
pesquisas desenvolvidas no Brasil são descritivas,
sendo resultantes de estudos transversais. A ausência
de estudos de tendências temporais e de tracking é um
ponto importante a ser considerado.
Um grande desafio para os pesquisadores é
obter um instrumento confiável e válido para medidas
da atividade física. Apesar de toda essa evidência
acumulada, a ciência ainda se depara com a dificuldade
de medir com precisão os níveis de atividade física das
pessoas no ambiente natural. Por questões logísticas,
os questionários continuam sendo utilizados na maioria
dos estudos, embora esforços venham sendo feitos
para um maior uso de medidas diretas de atividade
física.
CONCLUSÃO
Apesar das limitações metodológicas e dificuldade
de comparação entre os estudos, é louvável o esforço
dos pesquisadores nacionais, que vêm conseguindo
aumentar rapidamente a produção científica na
área. Disparidades regionais importantes devem
ser minimizadas, com estímulo a estudos nas
regiões centro-oeste, norte e nordeste. Também são
necessários estudos prospectivos na área, além de
um esforço constante para melhoria das medidas de
atividade física.
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